Sempre
tive família “emprestada”. Ora sobrinhos, ora irmãos, ou outros quaisquer. Esta
era a minha avó “emprestada”. Aquela que me ouvia e a quem eu escutava com toda
a atenção de menina. Fascinava-me a enciclopédia que tinha na cabeça, eternamente
penteada de “tarelo”. Ela conhecia as orações para benzer de mau olhado, mais
as ervas que curavam as dores de estômago, sabia os ciclos das colheitas e
histórias de fantasmas. Tudo contado pela boca pequena, sem dentes e com cheiro
ao alho das açordas. Os seus olhos eram borboletas pequeninas sempre em busca
de alguém para conversar. Tinha o corpo roliço, cheio de rugas escuras do pó.
Os seus abraços eram quentes e cheiravam a avó. A sua gargalhada era como um
copo cintilante de cristal, tão limpo como a sinceridade que carregava como
fardo. Muitas vizinhas não lhe falavam, não sei porquê. Mas ela tinha tanto
amor para dar, com a família emigrada, que me procurava muitas vezes. E eu
nunca dizia que não.
-
Anda daí filha, que preciso de escrever para as minhas filhas, não te importas?
-
Claro que não! Vamos!- dizia eu feliz.
-
Então começa assim: ”minha querida filha, espero que se encontrem bem, que eu
bem com o resto da família, graças a Deus…” – depois era um nunca terminar de
frases que eu compunha como podia e sabia, na minha imaginação de menina.
A
minha avó “emprestada” não sabia ler nem escrever. Eu compunha as suas cartas.
Hoje lembrei-me dela, com todo o carinho de criança.
Ainda
bem que aprendi a ler e a escrever. Fui útil naquela altura.
-
Beijinho avó!
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
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