terça-feira, 16 de novembro de 2021

Avó "emprestada"

 

Sempre tive família “emprestada”. Ora sobrinhos, ora irmãos, ou outros quaisquer. Esta era a minha avó “emprestada”. Aquela que me ouvia e a quem eu escutava com toda a atenção de menina. Fascinava-me a enciclopédia que tinha na cabeça, eternamente penteada de “tarelo”. Ela conhecia as orações para benzer de mau olhado, mais as ervas que curavam as dores de estômago, sabia os ciclos das colheitas e histórias de fantasmas. Tudo contado pela boca pequena, sem dentes e com cheiro ao alho das açordas. Os seus olhos eram borboletas pequeninas sempre em busca de alguém para conversar. Tinha o corpo roliço, cheio de rugas escuras do pó. Os seus abraços eram quentes e cheiravam a avó. A sua gargalhada era como um copo cintilante de cristal, tão limpo como a sinceridade que carregava como fardo. Muitas vizinhas não lhe falavam, não sei porquê. Mas ela tinha tanto amor para dar, com a família emigrada, que me procurava muitas vezes. E eu nunca dizia que não.

- Anda daí filha, que preciso de escrever para as minhas filhas, não te importas?

- Claro que não! Vamos!- dizia eu feliz.

- Então começa assim: ”minha querida filha, espero que se encontrem bem, que eu bem com o resto da família, graças a Deus…” – depois era um nunca terminar de frases que eu compunha como podia e sabia, na minha imaginação de menina.

A minha avó “emprestada” não sabia ler nem escrever. Eu compunha as suas cartas. Hoje lembrei-me dela, com todo o carinho de criança.

Ainda bem que aprendi a ler e a escrever. Fui útil naquela altura.

- Beijinho avó!

Felisbela Baião (Rosa Alentejana)



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